terça-feira, 22 de junho de 2010

Todas e Ninguém - 03/06/2010

Eu já fui todas e já fui ninguém.

Já comi muito até passar mal,

Já passei mal por não comer.

Eu já cai, me machuquei, levantei,

Sangrei, estanquei o sangue, limpei o machucado,

Tirei a casquinha do machucado, fiquei com cicatriz,

Passei pomada para não deixar cicatriz.

Já fiz uma tatuagem, já fiz duas tatuagens,

Já fiz três tatuagens, já fiz seis tatuagens.

Já desisti de fazer tatuagem.

Eu já viajei para lugares inusitados,

Já planejei viagens, já senti saudade de viagens,

Já voltei correndo e antes do tempo de viagens.

Nunca fui para centenas de lugares que adoraria ir.

Eu já senti muito calor em temperatura acima de 49º,

Já usei casacos insuficientes para um frio negativo,

Já admirei as temperaturas amenas do outono.

Eu já fui um espermatozóide, um feto, um neném,

Um bebê, uma criança descabelada,

Uma criança chorona, uma criança diferente,

Uma adolescente, uma santa, uma virgem,

Uma puta, uma amante de alguém, uma noiva.

Nunca fui mãe nem gestante.

Já amei, já fui amada, já traí, já fui traída.

Eu já pensei que ia morrer naquele segundo,

Já me imaginei vivendo bem velhinha.

Já quis ter 5 filhos, já quis ter gêmeos,

Já quis não ter filhos.

Já tive cachorro, gato, peixe, pintinho.

Nunca tive um cavalo preto.

Eu já processei, já quis ser criminosa,

Já quis ser delegada, já mandei bandido para a cadeia.

Eu já quis ser biomédica, médica, psiquiatra, psicologa,

Socialite, engenheira civil, geneticista, pedreira,

Mestre de obras, advogada, promotora,

Atriz, modelo, cantora, celebridade de reality show,

Rainha de algum país pequeno e europeu,

Apresentadora de programa infantil,

Integrante dos Menudos.

Sou morena, já fui ruiva, morena do cabelo claro,

Morena do cabelo escuro, morena do cabelo preto.

Nunca fui loira,

Mas já cogitei a hipótese de ser para ser paquita.

Já chorei pela Xuxa, pelo Senna, pelos Mamonas Assassinas,

Pelo Santos Futebol Clube, pela minha mãe, por mim, por você.

Já chorei de rir, já chorei de raiva, já chorei de agonia,

Já chorei de dor, já chorei porque minha fralda estava suja,

Já chorei de alegria, já chorei de emoção,

Já abri a geladeira para chorar vendo as comidas.

Eu já cai de bêbada, já cai de desequilíbrio,

Já cai do salto, já cai do cavalo.

Eu já me achei a mais linda de todas,

A mais esquisita do mundo,

Já pensei ser a mais magra, a mais chata,

A mais interessante, a mais inteligente.

Eu já quis ser muita gente,

Já quis ser ninguém.

Eu já pensei em me matar,

Ou em me clonar para poder viver o dobro.

Eu já quis sair correndo e pular no seu colo

E te abraçar como nunca,

E já quis sair correndo e dar com o pé no meio do seu peito

Para você perder o ar e morrer.

Eu já fui em enterros, maternidades, floriculturas,

Lojas de roupa, sapatos, supermercado,

Artesanato.

Eu nunca fui a um sex shop.

Eu já planejei um aniversário num motel,

Numa balada, numa casa de festas,

Numa churrascada.

Eu já planejei nunca mais comemorar um aniversário sequer.

Eu já adorei carne mal passada, já adorei carne torrada.

Eu odeio carne hoje em dia.

Nunca comi nenhum bicho a não ser peixe, frango e boi.

Eu já tive celular grande, pequeno, mais ou menos.

Já andei sem celular.

Já preferi o Tone ao Pulse do telefone.

Eu já quis te ligar para te chamar para sair,

Eu já desisti de te ligar e te chamar para sair,

Eu já te liguei e te chamei para sair.

Eu já me odiei por ter saído com você.

Já pensei que te amava,

Já pensei que te odiava,

Já pensei ser só tesão,

Já pensei ser só imaginação.

Não sei o que é até hoje.

Eu já andei de carro, de ônibus, de trem, de metrô,

De avião, de navio, de bicicleta, de skate.

Nunca andei de helicóptero.

Eu já fiz o maternal, a pré-escola,

O ginásio, o colegial, a faculdade,

A pós-graduação.

E nunca aprendi como lidar com algumas coisas da vida.

Eu vivi tão poucos anos, mas já tenho uma bagagem que só um

Boeing transportaria.

E mesmo com todas essas experiências guardadas em minhas malas,

Ainda acho que tenho muito mais a viver,

A aprender.

Imagino que depois de viver mais ¾ de século,

Que ainda estão por vir,

Vou ter de contratar uma frota de Boeings para levar

Todas as minhas bagagens de vida

Para o meu último voo.

E uma das grandes lições que eu já aprendi e já vivi nessa vida

É que nada que eu puser de conteúdo dentro das minhas bagagens

Terá sentido se não for vivido ao seu lado.

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