quinta-feira, 29 de julho de 2010

Livro

Era para eu escrever um poema,
Uma história, algo assim.
Mas eu não quero.
Mais um texto para quê?
Se nem uma palavra muda o que está aí,
E se cada palavra fortalece o que está aqui.
Melhor não escrever.
Escrever para dizer o quê?
Que eu queria estar com você,
Que eu conto os dias para chegar
A hora de te ver?
Que mesmo sem saber quando vai ser,
Eu sinto sempre que é amanhã?
Não tem o que dizer.
Quer que eu escreva para falar o quê?
Que os meses e os anos só confirmam
O que eu sempre soube,
E que por muitas – ou milhares – de vezes
Eu tentei esconder de mim,
De você, de todos?
É só você dizer para quê quer que eu escreva.
Porque suas ideias só mostram
Que para alguma palavra alcançar o seu devido lugar
Centenas de rochas elas terão de atravessar.
Se o menos é mais,
Hoje eu tenho tudo,
Mesmo sentindo que as minhas conquistas
Se resumem a nada.
Eu tinha que escrever algo,
Mas não quero.
Vou falar, falar, falar,
Vou contar, contar, contar,
Volto a sonhar, sonhar, sonhar.
E nesse texto, caso eu o escrevesse,
Não poderia deixar de dizer que
Se você diz uma única palavra,
Toda dimensão ao meu redor muda.
As cores mudam, as velocidades mudam,
Meus batimentos mudam, meus olhos mudam.
E eu preciso de um texto inteiro para te tocar,
Enquanto uma só palavra sua me faz
Ver tudo girar.
É injusto ter de me conformar com uma economia de palavras
Mas ter de usar um batalhão arrancado de um dicionário
Para te inebriar.
Então, é isso.
Não vou escrever.
Sem poema, sem texto, sem história,
Sem conto, sem sonho.
Não há papel que caiba tudo.
Você quer um texto, apenas.
Eu quero um livro, dos bons.
Ou quem sabe, então,
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