terça-feira, 24 de novembro de 2009

Vidigal (11/11/06)

Ontem quando eu estava atravessando aquela ponte que despenca, um senhor me parou. Com uma aparência feia, roupas sujas e rasgadas, um cheiro desagradável, ele pôs sua mão a me parar.

“Com licença senhorita. Desculpe o incomodo de te parar assim, mas é que eu preciso muito...”

Logo coloquei a mão no bolso e com as moedinhas já em punho, ele terminou de dizer: “... eu preciso muito que você me responda o que te move”.

A cena e a cidade congelaram sob a minha vista. Com a cabeça ainda abaixada separando as moedas, parei. Franzi a sobrancelha tentando repetir a voz dele em minha mente pra saber se era aquilo mesmo que eu tinha ouvido. Sim, era. Repeti inúmeras vezes em frações de segundos na minha cabeça: “O que me move?”

Levantei o rosto e olhei para ele. A aparência passou a ser bem menos feia e o cheiro ruim tinha sumido. Estávamos no meio da ponte. “Sim, o que te move”, insistiu o velho. E eu continuava com a sinapse estacionada no que me movia. Os neurotransmissores pararam de mandar mensagens à massa encefálica.

“Pergunto isso, senhorita, porque a vida passou por mim sem que eu percebesse. Perdi casa, filhos, esposa, trabalho, tudo por não saber o que me movia. Por não saber por qual caminho eu trilhava e por pensar apenas em coisas no estado sólido. Deixei a metafísica para trás a muitos anos. Sinto muito por assustá-la e por fazer você pensar que eu quero moedas para comer algo. Nada mais me importa, sabe por que?”, disse aquele ser que despencou da minha frente. Trêmula, respondi: “Por que?”.

“Porque tudo que foi importante para mim um dia acabou. Perdi o amor da minha família. Minha esposa faleceu e eu nem pude vê-la. Meus filhos estão casados, com filhos, e não sei mais em que Estado eles moram. Meus amigos se afastaram de mim, e hoje possivelmente não me reconheçam nesse estado que me encontro. Tudo o que me sobrou foram coisas materiais, às quais eu sempre dei total importância. E só dei importância. Quando vi diante de mim aquela situação de riqueza e abandono absoluto, larguei tudo. Vivo nas ruas, com o que o mundo pode me oferecer”.

Voltei a pensar no que me movia naquele minuto. Para onde eu mandava minhas pernas me levarem. Para onde conduzia minhas palavras e pensamentos.

“Só se vive uma vez, mocinha. Se sua casa encher de água da tempestade, não se esqueça que tudo o que estará dentro dela irá estragar, menos o amor da sua família e amigos. Insisto: o que te move?”. Virou-se e seguiu pela ponte que despenca, enquanto eu olhava fixamente para a imagem daquele velho envolto no cobertor rasgado e mal cheiroso de costas para mim, até ele sumir no horizonte.

O que me move?

Lucidez demais enlouquece qualquer um.

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