Ela era uma artista. Pintava quadros. Há quase um ano havia começado a pintar uma grande tela, chamava-se “C´est la Vie”, ou “É a vida”, em francês.
A tela era enorme. Se ficasse no tripé, a pintora precisaria de uma escada para alcançar o topo. Portanto resolveu deixá-la no chão. Assim se sentiria mais confortável para fazer a sua obra.
Começou a riscar o desenho. Com o “giz carvão”. Tudo parecia meio borrado, mas as formas verdadeiras estavam por vir. Em um mês o quadro estava “riscado”, e a partir daí era só começar a pintura. Tintas de todas as cores a esperavam na sala de sua casa.
O quadro foi aparecendo. Dia após dia. Começando pelos azuis das bordas. Claro. Escuro. Azul, simplesmente. Não sabe que cor é essa? Aquela que aparece no céu, quase que diariamente. Aquela que tem no quarto do menino recém-nascido. Lembrou? Azul da paz. Azul celeste. Azul de Deus.
Depois, os tons de amarelo. “Alaranjando-se” a cada centímetro. O amarelo é a cor do Sol. Talvez você realmente não saiba que cor é essa, porque olhar para o Sol dói os olhos. Mas o amarelo é encantador. Animador. Feliz. Contente. Já os tons “alaranjados” dão mais vida ao que já tem luz própria. Ao mesmo tempo, o amarelo pode ser apático. Triste. Sem graça. Mas isso depende de quais olhos estão o vendo.
O vermelho começou a aparecer. Nesta época já devia ser verão no país dela. Líbia. Mais especificamente, Tobruk, cidade regada pelo Mar Mediterrâneo.
Já tinha me esquecido. Preciso te dizer qual é essa cor. Vermelho é a cor mais quente. É forte. Tem personalidade. Fala por si só. Romântica, ao mesmo tempo.
Depois, o vermelho clareou. Apareceu o rosa. Rosa, a cor. Não é rosa, a flor. Rosa é simplesmente rosa. Lindo, calmo, romântico também, como sua mãe; vermelho. Sutil. É a cor do quarto de meninas recém-nascidas. E de muitas adultas também.
Verde. Verde folha. Verde natureza. A cor da bandeira de muitos países. Verde força. Verde esperança. Ele também fez parte de “C´est la Vie”. Sempre presente e forte. Ele é quase insuperável.
Depois, o pincel mudou de cor e deixou o lilás no quadro. Lilás não é azul. Mas também não é rosa. Lilás é saudade. É nostalgia. Sabe quando você lembra de algo que te dá muita saudade? Uma pessoa. Ou uma viagem. Um sentimento. Um momento. Uma música. Tudo isso que você lembra é lilás. Lindo. Carinhoso. Um carinho.
Ela não se cansava. A vida estaria contada naquele imenso quadro. Só não se sabe qual parede iria sustentar aquela obra. Talvez a melhor opção fosse alguma praça da Líbia. Longe do deserto, porque senão o quadro ressecaria. Ele não era envernizado.
O branco também foi usado. Por que não? Ele é a fonte de todas as cores, e estava em destaque no meio da tela. Uma bola branca. Parecia um algodão no pé, sabe? Fofo. Macio. Ele encerrava a obra.
Finalmente! Um ano de trabalho. Um ano construindo “C´est la Vie”. E ela estava quase pronta. Só faltava alguns arremates. Mas isso ela faria depois. No dia seguinte, quem sabe. Precisava descansar.
Mas uma pessoa, não se sabe se homem ou mulher, resolver entrar em seu ateliê para ver o que era aquela imensidão de tela.
Ela deixava, ao lado do quadro, um recipiente com seus pincéis e um solvente de tinta. O visitante se encantou com a obra. Que já tinha nome, sobrenome e autora. Pasmo com a imensidão de cores, formas, possibilidades, sensações e sentimentos que estavam naquela obra, sentiu-se dentro dela. Mas, em um resquício de segundo, esbarrou no recipiente deixando o solvente esparramar por toda “C´est la Vie”.
A obra estava borrada, estragada, manchada, doente. E aquele ano de esforço foi descartado por um desavisado, ou desavisada, que se encantou demais com aquilo tudo. Não se sabe se ele, ou ela, quis aperfeiçoar a obra e fazer parte dela, ou se achou aquilo tudo tão lindo, que queria um igual em sua casa. Como não era possível, se ele não tivesse, ninguém mais o teria.
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