Sou frustrada. Frustrada por não ter visto Pelé jogar. Por não saber o que é comemorar um gol do “eterno” na Vila Belmiro. Por não ter visto as pernas tortas de Garrincha em campo. Vivo em um mundo pronto. As comidas congeladas já existem e o microondas já está na cozinha há muitos e muitos anos. As religiões já estão determinadas. Os pensamentos. As ideologias.
Não vi Fleming descobrir a penicilina. Não vi Santos Dumont voar no “14 Bis”, nem colocar em seu pulso o primeiro relógio. Não ajudei na descoberta da história através de fósseis. Não conheci William Shakespeare. Sou frustrada por não ter ajudado nem feito parte da construção desse mundo em que vivemos. Frustrada por não saber o que é o “futebol-arte”, a olhos nus. Por não saber, pacificamente, mais sobre a inteligência de Adolf Hitler. Nem por ter conhecido os 15 anos de governo de quem deixou a vida para entrar para a história. Frustrada por não ter visto a União Soviética no mapa. E também por não ter derrubado um centímetro cúbico do Muro de Berlim. Frustrada por não ter podido ir a um show de Elis nem dos Beatles. Sou frustrada porque hoje uso calça jeans. Não sei o que é usar aqueles vestidos imensos, com anáguas e tudo mais por baixo.
Considero-me frustrada porque vivo em um mundo de lutas. Luta contra o câncer. Luta contra a AIDS. Luta contra a violência exacerbada. Luta contra a fome. Luta contra a impunidade. Luta contra a corrupção. Luta contra a intolerância. Luta contra as armas. Luta contra a insegurança. Luta contra a falta de privacidade. Luta contra injustiças. Luta contra contravenções da lei. Luta contra a falta de ética. Luta contra a falta de trabalho. Luta contra a falta de dinheiro. Luta contra a mesquinharia do mundo. Luta contra o egoísmo.
Sou frustrada porque vivo lutando. Lutando e lutando. Não vivo descobrindo. Não vivo vendo descobertas. Somente descobertas de corrupção e quadrilhas. Sou frustrada porque não vejo em campo uma Seleção lutando pelo sexto título mundial como nós, aqui fora, lutamos para sobreviver.
Frustro-me em saber que sou frustrada. E em fazer você descobrir que também é frustrado. Por não ter vivido em um mundo mais azul e cor-de-rosa.
O que me consola são meus amigos e minha família. Principalmente os mais velhos. Que me contam e me fazem viajar até um mundo de pessoas menos frustradas. Que comemoravam mais a vida. Que eram mais felizes. Porque o mundo deles evoluía. Crescia. Descobria. Vivia. Fazia acontecer. As coisas fluíam. Nasciam. Surgiam.
Queria voltar a ouvir com freqüência o barulho da máquina de escrever do meu avô ao invés de fazer o famigerado “control C, control V”.
Sou frustrada por também viver em um mundo de “mundades” e por confirmar a cada passo que as pessoas têm hoje seus valores invertidos.
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